Moda

Zuzu Angel: quando moda e política se encontram

quinta-feira, abril 21, 2016


Por Rafaella Britto -


“Quem é essa mulher/Que canta sempre esse estribilho?/Só queria embalar meu filho/Que mora na escuridão do mar...”, cantou Chico Buarque em sua música “Angélica”, composta em homenagem a Zuzu Angel.
Falar de moda brasileira é falar de Zuzu Angel: a estilista mineira, sensível aos principais acontecimentos de seu tempo, forneceu novos olhares e reflexões acerca da moda como fenômeno social e instrumento de luta política. Através de suas coleções, Zuzu enfrentou a Ditadura em busca de seu filho, o militante socialista Stuart Angel Jones, brutalmente assassinado pelos militares no início da década de 1970. 40 anos após sua morte, Zuzu é lembrada como a estilista que lançou a moda brasileira no mundo. Como ela mesma se definiu: “Eu sou a moda brasileira.”

(Foto: Reprodução)

QUEM É ESSA MULHER?

Zuleika de Souza Netto nasceu em Curvelo, município de Minas Gerais, no dia 5 de junho de 1921. Quando criança, mudou-se para Belo Horizonte e, posteriormente, para a Bahia, onde viveu parte de sua adolescência. Já nesta época, Zuzu (como era conhecida) costurava roupas para suas primas e amigas, sempre imprimindo o toque pessoal pelo qual a viria a tornar-se célebre.


Zuzu Angel na infância (Foto: Instituto Zuzu Angel)

Em 1943, Zuzu casou-se com o norte-americano Norman Angel Jones, de quem herdou o sobrenome. Da união com Norman, nasceram seus três filhos, Hildegard, Ana Cristina e Stuart Angel Jones.


Zuzu com seus três filhos, Hildegard, Ana Cristina e Stuart Angel Jones (Foto: Instituto Zuzu Angel)

A família mudou-se para o Rio de Janeiro em 1947, e o casal separou-se pouco tempo depois. Com o fim do casamento, Zuzu teve de batalhar para criar seus três filhos com seu trabalho de costureira. Com o dinheiro que economizou, abriu seu ateliê em Ipanema. Não demorou a que seu nome ficasse conhecido entre a elite carioca e, por intermédio de clientes abastados que reconheceram seu talento, Zuzu levou suas coleções para as passarelas dos Estados Unidos, e encantou o mundo.


Zuzu Angel em seu ateliê nos anos 1970 (Foto: Reprodução)

GLAMOUR COM TEMPERO BRASILEIRO

A moda brasileira limitava-se a ser cópia dos modelos estrangeiros. Zuzu quebrou paradigmas e foi a primeira estilista a empenhar-se na construção de uma identidade genuinamente brasileira. “A única vantagem de se fazer moda no Brasil é que temos mais fontes de inspiração do que em qualquer outro lugar”, disse. Sua proposta nacionalista influenciou significativamente a estética Tropicalista, e desencadeou um período de ufania e valorização da moda nacional.

(Foto: Instituto Zuzu Angel)

O anjo (de seu sobrenome) era seu logotipo. A estilista levou Maria Bonita e Lampião para as passarelas internacionais. O estilo único da mineira, marcado pela utilização de seda, rendas, chitas, estampas naif e técnicas tradicionais do bordado nordestino, conquistou musas como Joan Crawford, Liza Minnelli, Veruska, Elke Maravilha, Jean Shrimpton e Kim Novak. 


Na última foto, da direita para a esquerda: Zuzu Angel com Joan Crawford (Foto: Instituto Zuzu Angel)

Pioneira do prêt-a-porter no Brasil, suas coleções eram vendidas nas principais boutiques de Nova York, como Bergdorf Goodman, Lord & Taylor, Saks, Henry Bendell e Neiman Marcus.

(Foto: Reprodução)

(Foto: Reprodução)

(Foto: Reprodução)

(Foto: Reprodução)

LUTO ALEGÓRICO

Os dias de intensa alegria na vida da estilista chegaram ao fim quando seu filho, Stuart Angel Jones, estudante de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), desapareceu, depois de ter sido preso por agentes da CISA (Centro de Informação e Segurança da Aeronáutica) em 1971. Zuzu saiu em busca de Stuart nos quartéis e prisões, porém sem sucesso.


Stuart Angel Jones, filho de Zuzu (Foto: Reprodução)

A estilista tomou conhecimento das torturas sofridas por seu filho através de uma carta-depoimento escrita pelo preso político Alex Polari de Alverga. Segundo o relato de Alex, que consta do documentário “Sônia Morta e Viva” (dir. Sérgio Waisman, 1985), Stuart teria sido arrastado por um jipe através do pátio interno da Base Aérea do Galeão, com a boca no cano de descarga do veículo. Alex, preso numa cela ao lado, ouviu seus gritos e gemidos de dor (1).
A partir de então, Zuzu incansavelmente denunciou o assassinato e a ocultação de cadáver de seu filho, e se utilizou de seu prestígio internacional para envolver a imprensa e órgãos do governo americano em sua causa. Em carta redigida à esposa de um general comandante da época da Ditadura, Zuzu escreve: “O futuro mostrará meu filho como o Tiradentes da época dos computadores.”


"O futuro mostrará meu filho como o Tiradentes da época dos computadores", diz Zuzu em carta redigida à esposa de um general comandante da época da ditadura (Foto: Hildegard Angel)

Em suas coleções, as cores vibrantes e alegres, e símbolos marcadamente nacionais cederam lugar a metáforas do sofrimento nos porões do regime militar: no que é considerado o primeiro desfile-protesto da história da moda (2), realizado em 1971 na embaixada brasileira dos EUA, Zuzu apresentou uma coleção que trazia tanques de guerra, pássaros engaiolados, jipes e sol atrás das grades. 


Elke Maravilha posa com modelo da coleção de protesto de Zuzu Angel (Foto: Instituto Zuzu Angel)

Em 2014, as filmagens do desfile foram recuperadas pela TV Cultura.


Na madrugada do dia 14 de abril de 1976, Zuzu morreu vítima de um acidente automobilístico à saída do Túnel Dois Irmãos, na Estrada da Gávea (RJ). O governo brasileiro alegou que Zuzu havia dormido ao volante, versão que foi contestada por testemunhas. Segundo relatos, Zuzu estaria sendo seguida por um carro pilotado por agentes do regime, e foi arremessada para fora da pista.


Zuzu em Nova York (Foto: Reprodução)

Uma semana antes de sua morte, Zuzu escreveu a Chico Buarque: “Se algo vier a acontecer comigo, se eu aparecer morta, por acidente, assalto ou qualquer outro meio, terá sido obra dos mesmos assassinos do meu amado filho.”

Carta de Zuzu Angel a Chico Buarque: "Se algo vier a acontecer comigo, se eu aparecer morta, por acidente, assalto ou qualquer outro meio, terá sido obra dos mesmos assassinos do meu amado filho". (Foto: Reprodução/Tumblr)

LEGADO

Zuzu encontra-se sepultada no Cemitério São João Batista (RJ). O túnel onde morreu chama-se, hoje, Túnel Zuzu Angel. Seu nome batiza o Instituto Zuzu Angel de Moda, organização sem fins lucrativos, fundada por sua filha, a jornalista Hildegard Angel, em 1993. Sua história foi para as telonas em 2006, no aclamado filme “Zuzu Angel”, de Sérgio Rezende, tendo Patrícia Pillar no papel-título, Daniel de Oliveira como Stuart e Luana Piovani como Elke Maravilha.


Luana Piovani e Patrícia Pillar no filme "Zuzu Angel" (Sérgio Rezende, 2006) - (Foto: Reprodução)

O mineiro Ronaldo Fraga, influenciado pelo pensamento de Zuzu Angel, homenageou a estilista em sua coleção Primavera/Verão 2002, apresentada na São Paulo Fashion Week e aplaudida de pé: a coleção, intitulada “Quem matou Zuzu Angel?”, resgatou a memória da pioneira da moda brasileira, trazendo modelos com auréolas de anjo nas cabeças, desfilando em meio a bonecos gigantes suspensos em paus-de-arara imaginários. Fraga recriou símbolos como flores, cata-ventos e nuvens que choram (3).


Ronaldo Fraga - Primavera/Verão 2002 - "Quem Matou Zuzu Angel?" (Foto: Reprodução)

EM TORNO DE ZUZU – ENCONTRO COM HILDEGARD ANGEL E ELKE MARAVILHA

Em 2014, o Itaú Cultural promoveu, em São Paulo, o evento “Em Torno de Zuzu – Encontros Sobre Moda, Criação e Política”, que reuniu estilistas, artistas, pesquisadores e intelectuais para discutir a obra de Zuzu Angel. Neste debate, Hildegard Angel, filha de Zuzu e idealizadora do evento, e Elke Maravilha conversam sobre suas vivências ao lado da estilista e a repressão à classe artística durante os anos de ditadura militar.



Referências:

(2) DÓRIA, Márcia. Curso Integrado de Moda - Desenho e Ilustração de Moda, Figurinismo e Estilismo: Apostila 11 - Costureiros, estilistas e grifes nacionais e internacionais do séc. XIX aos anos 90. EMP - Escola de Moda Profissional;

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2 comentários

  1. E ainda há quem defenda o regime militar zzzz, mas enfim, que mulher espirituosa. Fiquei encantadíssima com essa coleção dela inspirada no cangaço, queria entrar em algum dos vestidos dela e não sair jamais.

    Vou procurar esse filme de 2006 pra ver! ♥

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    1. Vai entender como funciona a cabeça dessa gente, né? Ah, Zuzu é maravilhosa e sonho de consumo! Veja o filme, você vai gostar bastante. ♥

      Beijos,
      Rafa

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Sobre

Criado em 2010 por Rafaella Britto, o blog Império Retrô aborda a influência do passado sobre o presente, explorando os diálogos entre arte, moda e comportamento.


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