Cinema e TV

Warren Beatty, Faye Dunaway e o direito de envelhecer

terça-feira, fevereiro 28, 2017


Por Rafaella Britto –

Esta semana, um episódio tomou conta das redes sociais: a gafe cometida na cerimônia do Oscar, durante a entrega do prêmio de Melhor Filme, anunciado pelos atores Warren Beatty e Faye Dunaway. Inicialmente, o prêmio havia sido conferido a La La Land, um dos favoritos a categoria. A confusão instaurou-se quando se verificou que o envelope nas mãos de Beatty estava errado, e que o vencedor era, na verdade, Moonlight.
Em meio ao tumulto, o apresentador Jimmy Kimmel buscou quebrar o clima de tensão dirigindo-se a Beatty em tom humorístico: “Warren, o que você fez?” O ator, visivelmente perplexo, retornou ao microfone e desculpou-se: “Eu abri o envelope e ali dizia ‘Emma Stone – La La Land’. Foi por isso que eu olhei para a Faye... eu não estava tentando ser engraçado.”


Está claro que o erro não foi de Beatty ou Dunaway, e sim da produção do evento. A PricewaterhouseCoopers, empresa de contabilidade responsável pela tabulação de nomeações e votos do Oscar, desculpou-se publicamente em nota: “Pedimos sinceras desculpas a Moonlight, La La Land, Warren Beatty, Faye Dunaway e os espectadores do Oscar pelo erro durante o anúncio de Melhor Filme (...) No momento estamos investigando como isso teria acontecido, e lamentamos profundamente o ocorrido.” [1]
Entretanto, nem mesmo os astros veteranos escaparam ao preconceito: houve quem culpasse Beatty e Dunaway devido à idade, alegando que prêmios como esses jamais deveriam ser apresentados por pessoas acima dos 70 anos, já “gagás” e, portanto, passíveis de cometerem erros crassos.
Warren Beatty e Faye Dunaway estão entre as mais antigas e importantes personalidades do entretenimento americano: a presença dos atores na cerimônia do Oscar 2017 é parte da série de comemorações da Academia pelos 50 anos de lançamento de Bonnie & Clyde, em que atuam juntos como o famoso casal de assaltantes que abalou os Estados Unidos durante a Grande Depressão. Revolucionário, Bonnie & Clyde alterou os rumos da linguagem cinematográfica da década de 1970 ao inaugurar a Nova Hollywood, movimento que preconizava um cinema autoral que dialogasse com o contexto sócio-político de sua época. Importantes nomes emergiram desta geração de cineastas, como Martin Scorcese, Francis Ford Coppola, Steven Spielberg e George Lucas.


A presença dos atores Faye Dunaway e Warren Beatty no Oscar 2017 é parte da comemoração dos 50 anos de lançamento de Bonnie & Clyde, filme de Arthur Penn que revolucionou o cinema americano (Foto: Reprodução)

Embora já famoso por sua estreia no drama de Elia Kazan Clamor do Sexo (Splendor in the Grass, 1960), foi através de Bonnie & Clyde que Warren Beatty estabeleceu-se como ator e realizador. Beatty possui, ao todo, 14 indicações ao Oscar, sendo duas de Melhor Ator, quatro de Melhor Filme, duas de Diretor, três por Roteiro Original e uma por Roteiro Adaptado. O prêmio veio em 1982, como Melhor Diretor por Reds, drama baseado na história real do casal de jornalistas John Reed e Louise Bryant, que documentaram os principais acontecimentos da Revolução Russa. O filme traz Beatty e Diane Keaton nos papéis principais. Galã, o ator viveu como um moderno Don Juan, colecionando casos amorosos com donzelas cobiçadas, dentre elas, Carly Simon – que dedicou a ele uma das estrofes de seu hit You’re So Vain –, Julie Christie e Madonna.  


Um dos mais importantes atores e realizadores do cinema americano, Warren Beatty foi indicado 14 vezes ao Oscar (Foto: Reprodução)

Faye Dunaway foi vencedora do Oscar de Melhor Atriz em 1977 por Rede de Intrigas (Network), de Sidney Lumet. A musa estrelou celebrados filmes como Chinatown (1975), de Roman Polanski, Três Dias de Condor (1975), de Sidney Pollack, e Os Olhos de Laura Mars (1978), de Irvin Keshner. Dunaway veria sua carreira declinar em 1981 com Mamãezinha Querida, em que interpreta Joan Crawford como uma mãe megera e abusiva. Segundo Dunaway, seu desempenho havia sido “muito bom em um papel odioso”, que provocou antipatia no público. Desde então, mantém-se afastada das grandes produções.


Vencedora do Oscar por Rede de Intrigas, Faye Dunaway mantém-se afastada das grandes produções desde a década de 80 (Foto: Reprodução)

Em nossa sociedade contemporânea, causa assombro que figuras outrora consideradas símbolos sexuais e aclamadas por sua beleza física surjam sob a condição a que estão sujeitos todos os seres viventes – condição da qual, naturalmente, Warren Beatty e Faye Dunaway não puderam se livrar: a velhice.
Em 1976, Mary Pickford recebeu o Oscar Honorário. À época com 84 anos, Mary estava debilitada e não pôde comparecer à cerimônia. Assim, a equipe técnica do evento foi à sua casa para entregar o prêmio em suas mãos. Os espectadores, ainda conservando a imagem da namoradinha da América que brilhou no cinema mudo, ficaram horrorizados com sua imagem atual, e perguntaram-se: “O que aconteceu?”  
A sociedade considera o idoso a personificação da decrepitude: fisicamente limitados, os idosos são o espelho do fim, e, portanto, têm de serem postos à margem. De fato, o mundo é dos jovens. Basta direcionarmos nosso olhar à publicidade, ao mercado e aos valores incorporados ao cotidiano: o idoso não pode vestir-se conforme a moda ou conforme seus desejos; deve reprimir sua sexualidade e distanciar-se dos prazeres. Em uma indústria como a cinematográfica, onde o prestígio gira em torno da imagem, o jovem detém o protagonismo, a ação, o romance; ao idoso pouco resta além do saudosismo piegas e uma tradição de resignação.


(Foto: Reprodução)

Responsabilizar “os idosos Warren Beatty e Faye Dunaway” pela gafe cometida durante a cerimônia do Oscar revela o que há de ruim no culto à juventude estabelecido nas sociedades contemporâneas: o desrespeito à memória e, consequentemente, à vida.
As contribuições de Warren Beatty e Faye Dunaway para a história cinematográfica – bem como as contribuições de todos os que por aqui passaram antes de nós, deixando seu legado de ensinamentos – os tornam aptos a gozar dos direitos que sempre possuíram e os fazem titulares de outros mais: reverência e gratidão.
Aos 76 anos, Dunaway desmistifica os equívocos acerca do envelhecimento: “É o que é. Não é algo para se afligir ou lamentar. Eu ainda tenho muita criatividade e emoção, e só se aprofunda, conforme você envelhece mais você entende e absorve.” E completa: “Não é a idade que faz a vida. É o que você faz com ela.” [2]  

Notas de rodapé:

Foto Capa: Reprodução/Just Jared

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1 comentários

  1. Nossa Rafa, que texto lindo. Realmente a culpa não foi dos dois e sim da produção, acho que triste que em nossa sociedade atual os mais velhos sejam tão diminuidos. Minha mãe sempre disse só não envelhece quem morreu.
    Amo o blog, beijos amiga.

    oestranhomundo-de-ioio.blogspot.com.br

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